Desde o surto de Covid-19, em dezembro de 2019, e suas consequências sociais do confinamento em massa em residências, uma situação estressante se desenvolveu para inúmeras pessoas e em todo o mundo.

As famílias foram e estão sendo forçadas a ficar em casa, assim como trabalhar, estudar em casa com as crianças, minimizar drasticamente as saídas, reduzir a interação social ou trabalhar muito mais horas em circunstâncias estressantes e, paralelamente, gerenciar os riscos à saúde. Estes dados podem ter um impacto importante no funcionamento diário e no sono noturno, não somente para os pais e cuidadores, mas também para as crianças.

A pressão do sono – o impulso homeostático para dormir – é a chave para dormir bem. O ritmo circadiano nos mantém acordados durante o dia e nos deixa sonolentos à noite. O ritmo circadiano é governado pela luz do dia, mas outros fatores, como refeições e exercícios, também o afetam. A exposição à luz afeta a liberação de melatonina, um hormônio que desempenha um papel fundamental na indução da sonolência. A exposição à luz intensa durante o dia proporciona um maior aumento de melatonina durante a noite.

Os níveis de atividade durante o dia também afetam o sono na noite seguinte. Baixos níveis de atividade (como por exemplo, depressão ou confinamento) afetam negativamente o sono, assim como níveis muito altos de atividade (por exemplo, devido ao estresse ou sobrecarga de trabalho). A atividade física durante o dia (mas não tarde da noite) melhora a qualidade do sono (Potter et al., 2016).

Problemas de sono relacionados ao estresse são comuns e aqueles sensíveis à interrupção do sono relacionados ao estresse têm uma maior probabilidade de desenvolver insônia crônica (Gouin et al;, 2015).

O atual período de confinamento social pode ser particularmente estressante para mães ou outros cuidadores que precisam gerenciar cuidados com as crianças, além de cuidar dos assuntos domésticos e do trabalho. Enquanto muitos pais compartilham responsabilidades de cuidados infantis e domésticos, na maioria das famílias essas tarefas ainda são predominantemente gerenciadas pelas mães (Offer e Schneider, 2011).

O sono saudável pode ser um fator de proteção essencial para lidar positivamente com esses desafios, muito embora a oportunidade adequada de dormir possa ser afetada pelo aumento da pressão do tempo no trabalho, assistência infantil e necessidades domésticas.

O sono das crianças também deve ser uma prioridade para as famílias nesse período. O sono é um fator importante que regula o comportamento e as emoções (Simon et al., 2015). Os dados mostram que o cuidado com o sono das crianças pode ser gerenciado de forma eficaz, se envolvido pelos pais de forma igualitária. Embora pareça lógico atender às demandas das crianças para permanecer com elas durante a noite, em situações estressantes, o sono compartilhado, ou seja, na mesma cama, demonstrou ter um efeito negativo na qualidade do sono e nos níveis de estresse de crianças e pais (Teti et al., 2016).

É provável que esse período complicado de isolamento seja particularmente desafiador, não somente para as crianças como para os adolescentes, e possa afetar negativamente sua capacidade de regular com êxito tanto seu comportamento quanto suas emoções, habilidades que podem proteger a saúde mental direta ou indiretamente, através da promoção ou inibição de atitudes positivas.

As recomendações da Força-Tarefa da Academia Europeia para Terapia Cognitiva Comportamental para Insônia (Altena et al., 2020), para pais e crianças, no contexto familiar, são:

1: Mantenha horários regulares de sono para seu filho (os); selecione o melhor horário para ele (s) e mantenha-os em um mesmo padrão;

2: Faça dos últimos 30 minutos antes de dormir uma rotina regular que inclua atividades tranquilas; escolha atividades que não só a criança goste, mas que o cuidador ou os pais também gostem. Um pai feliz por estar com ele é o que a criança mais gosta. Mantenha a ordem e a duração das atividades semelhantes a cada noite;

3: Enquanto estiver usando computador, smartphones e assistindo à TV mais do que o normal (o que pode ser inevitável em confinamento), evite dispositivos tecnológicos após o jantar ou muito perto da hora de dormir;

4: Não permita que seus filhos usem smartphones, tablets ou TV na cama;

5: Caso o espaço da sua casa permitir, tente evitar que as crianças usem a cama para outras atividades além de dormir (por exemplo, comer, brincar, fazer lição de casa) ou faça uma distinção clara entre o uso diurno da cama e o uso noturno da cama (por exemplo, trocando uma capa, o lençol para dormir e colocar travesseiros;

6: Caso a criança possa sair, é melhor sair de manhã e tomar o café da manhã em um local com luz brilhante, se possível em um jardim ou varanda;

7: Caso não possa sair, o cuidador/pais deve (m) cuidar da atividade física da criança. Programas online para esportes em casa com crianças foram criados em muitos países e poderão ser muito úteis;

8: Mantenha o quarto da criança confortável (temperatura adequada e pouca luz à noite);

9: Tranquilize as crianças informando que seguir os horários e rotinas as ajudarão a dormir bem e a lidar com suas emoções;

10: No caso de despertares ansiosos, tranquilize as crianças durante a noite;

11: Não durma na mesma cama que a criança, mas garanta que estará por perto.

 

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Referências:

Potter, G. D., Skene, D. J., Arendt, J., Cade, J. E., Grant, P. J. and Hardie, L. J. Circadian Rhythm and Sleep Disruption: Causes, Metabolic Consequences, and Countermeasures. Endocr Rev, 2016, 37: 584-608.

Gouin, J. P., Wenzel, K., Boucetta, S., O’byrne, J., Salimi, A. and Dang-Vu, T. T. High frequency heart rate variability during worry predicts stress-related increases in sleep disturbances. Sleep Med, 2015, 16: 659-64.

Offer, S. and Schneider, B. Revisiting the gender gap in time-use patterns: multitasking and well-being among mothers and fathers in dual-earner families. Americal Sociological Review, 2011, 76: 809-33.

Simon, E. B., Oren, N., Sharon, H. et al. Losing Neutrality: The Neural Basis of Impaired Emotional Control without Sleep. J Neurosci, 2015, 35: 13194-205.

Teti D.M., Shimizu, M. Crosby, B. and Kim, B. R. Sleep arrangements, parent-infant sleep during the first year, and family functioning. Dev Psychol, 2016, 52: 1169-81

Altena E, Baglioni C, EspieCA, Ellis J, Gavriloff D, Holzinger B, Schlarb A, Frase L, Jernelov S, Riemann D. Dealing with sleep problems during home confinement due to the COVID-19 outbreak: practical recommendations from a task force of the European CBT-I Academy. J Sleep Res. 2020 Apr 4. doi: 10.1111/jsr.13052. [Epub ahead of print]

 

Fonte: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/coronavirus-o-sono-da-crianca-em-epoca-de-confinamento/